No futuro, todos terão direito a seus quinze minutos de opressão

Vera
3 min readJul 28, 2020

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A falsa simetria do jovem asiático que diz sofrer igual ao negro no Brasil

Mulheres de Conforto é um eufemismo para designar mulheres chinesas raptadas e escravizadas sexualmente por soldados japoneses durante a II Guerra Mundial. O filme “Flowers of war”, do cineasta chinês Zhang Yimou, retrata o fato com delicadeza. Este triste episódio é um evento que o Japão até hoje tem dificuldade em retratar e falar a respeito por ser sujo e vil.

Em 1942, na Alemanha, trens lotados de gente faziam o caminho de ida e nunca voltavam. Estudiosos afirmam que os alemães sabiam o que acontecia, apenas não ligavam. Pós 1945, com as resoluções do Julgamento de Nuremberg, vemos o esforço genuíno e admirável daquele povo não para esquecer o que aconteceu, mas para evitar sua repetição.

No decorrer de junho de 1915, mais de 15 mil armênios foram mortos num genocídio perpetrado por turcos que lhes consideravam verdadeiras causas dos males na Terra. EUA e Brasil estão entre os países que não reconhecem o genocídio armênio. Quando se referem ao massacre, usam o termo “tragédia” e equivalentes.

Historicamente, várias etnias sofreram opressão em diversos ambientes geográficos e cronológicos. O mata-mata (não estou falando de futebol), é inerente à condição humana em busca de poder, e como falou de forma inteligente meu amigo @arturdotcom, o homem branco, por ser o detentor da autoridade, impôs a opressão ao desfavorecido, e à minoria.

O Brasil, com sua história forjada na escravidão, teve uma política forte de branqueamento calcada em teses eugenistas das quais o ilustre defensor é Monteiro Lobato, o autor da obra que reinava nas manhãs da Globo quando eu era criança. A necessidade de se branquear a população brasileira para esquecer o passado e assim, alcançar ares de modernidade, foi sanada graças ao intenso fluxo migratório de japoneses e europeus.

Diferente do negro que, durante três séculos foi tirado de sua terra à força e jogado no porão de um navio para talvez chegar a um destino horrível, caso não morresse, em 1908 o japonês veio ao Brasil após um acordo entre o governo do seu país e o nosso. O primeiro, garantia a viagem. O segundo, seria responsável por sua instalação e emprego pelos próximos meses.

Alguns japoneses sofreram muito quando chegaram aqui, isso é fato inconteste. É difícil adaptar-se a outra língua, outra cultura e executar trabalho pesado sem muito conforto, às vezes privado de suas liberdades individuais, como aconteceu com a entrada do nosso país na II Guerra, contra o Eixo. Os japoneses foram vistos com desconfiança, e até confinados devido à desconfiança que levantavam diante dos brasileiros.

Porém, há muito tempo o asiático no Brasil, inclusive japoneses e chineses, são vistos como intelectualmente superiores a nós negros em tudo, principalmente em Exatas. Igualar o sofrimento de adaptação à opressão secular e estrutural que o negro sofre é uma mistura de anacronismo com alguma má vontade. Nenhum outro grupo no Brasil sofreu tanto como o negro, a opressão ao preto não é minimamente comparável com o que o japonês tenha vivido ao chegar a São Paulo, ou numa discussão de maquiagem para olhos. A internet propicia debates desonestos e inócuos e este puxa a fila. Proporções históricas existem por um motivo, elas não podem ser alteradas apenas porque você quer que seja assim.

A estrutura da sociedade para o negro é desigual. Era assim nos séculos passados com um Estado que anulava a existência negra, e é assim hoje. O racismo contra o negro no Brasil acontece todo dia, inclusive no silenciamento que faz o branco e o japonês sempre serem ouvidos e donos do discurso, seja numa conversa trivial, ou no apagamento da história negra do bairro da Liberdade.

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